Diogo Mainardi desapareceu das páginas da "Veja" e eu estranhei: todas
as semanas, a coluna dele era lida e relida com prazer e proveito. Se
Mainardi abandonara os romances (um grande erro; confira aqui a entrevista que fiz com ele), pelo menos que sobrasse o jornalismo.
Questionei amigos comuns, por pudor de perguntar ao próprio: que
sucedera? Fato: Lula arrasa com a sanidade de qualquer um. Cheguei a
temer que Diogo, em estado de colapso depois da reeleição, tivesse
regressado a Itália para abraçar um cavalo chicoteado em Turim. Mas
seria Lula - leia-se: a inacreditável sobrevivência política dele -
razão para o silêncio?
A resposta veio agora, em forma de livro. Intitula-se "A Queda - As
memórias de um pai em 424 passos" (Record, 150 págs). Abençoado
desaparecimento. É o melhor livro de Mainardi até hoje.
Superficialmente, a obra pode ser resumida como o retrato que Mainardi
dedica ao filho, Tito, que nasceu com paralisia cerebral em 2000. Esse
grosseiro erro médico atingiu a mobilidade de Tito de forma profunda e
irreversível. As caminhadas do filho - passo a passo, queda a queda,
ascensão a ascensão - ganham uma ressonância quase homérica aos olhos do
pai.
E aqui reside a essência de um livro superiormente escrito e pensado: "A
Queda" é uma obra sobre o pai, não propriamente sobre o filho. E as
verdadeiras quedas e ascensões não são as físicas de Tito; são as
existenciais de Diogo.
É o próprio quem o confessa em tom apropriadamente anti-confessional (e
anti-sentimental): antes de Tito nascer, o projecto de vida de Mainardi
era não deixar a ninguém o legado da sua passagem.
"Pulando de romance
em romance", em Veneza - haverá melhor programa?
Karime Xavier - 17.ago.2012/Folhapress | |||
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O escritor Diogo Mainardi e seu filho Tito |
Por incrível que pareça, há: encontrar algo, ou alguém, que é mais
importante do que nós. Algo, ou alguém, que nos descentre de nossas
"veleidades" (palavra de Mainardi), concedendo um sentido de vida que é
maior do que a nossa vida.
Esse alguém é Tito. A infância de Tito. As quedas de Tito. Os passos de Tito.
E, a propósito de Tito, Mainardi vai congregando todas as artes
disponíveis para o explicar e celebrar: a arquitectura de Veneza; as
palavras de Ruskin sobre a "Serenissima"; a pintura de Rembrandt. E,
claro, o cinema de Abbot e Costello.
Tito é a sua teoria, a sua ideologia, a sua religião. A sua vida. E a
grande arte só tem préstimo quando a tomamos por empréstimo. Para que
ela possa reflectir, no duplo sentido da palavra, os contornos da nossa
existência. Os nossos livros, os nossos filmes, os nossos quadros - tudo
isso só tem interesse porque em cada obra encontramo-nos a nós.
Com Tito, Mainardi aprendeu o que poucos, raríssimos, são capazes de
aprender: que "saber cair" é mais importante do que "saber caminhar".
Qualquer um caminha.
Difícil é saber cair. Difícil é receber cada queda com gratidão, muita
gratidão. Porque só é possível caminhar direito quando o medo da queda
nos abandona passo a passo. E até ao dia em que paramos de os contar.
"Bentornato, Signor Mainardi"!
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