Luiz Felipe Pondé, Folha de SP
Fala-se muito de como o "Primeiro Mundo é isso e aquilo". Acho isso papo de vira-lata. Toda vez que você ouvir alguém falando que a Europa "é outra coisa", você está diante de um vira-lata rondando a lata de lixo dos outros. A mesma coisa vale para os EUA, ainda que, nesse caso, vira-latas de esquerda jamais elogiem os EUA, mesmo que comprem iPads lá.
Fala-se muito de como o "Primeiro Mundo é isso e aquilo". Acho isso papo de vira-lata. Toda vez que você ouvir alguém falando que a Europa "é outra coisa", você está diante de um vira-lata rondando a lata de lixo dos outros. A mesma coisa vale para os EUA, ainda que, nesse caso, vira-latas de esquerda jamais elogiem os EUA, mesmo que comprem iPads lá.
Mas independentemente dessa breguice de vira-lata querendo fingir que entende de vinhos, há um detalhe na vida europeia e norte-americana que vale a pena discutir: a vida doméstica e suas tarefas.
Mas,
sintomaticamente, os vira-latas nunca falam disso, porque a própria
condição de vira-lata os impede de entender ou mesmo enxergar esse
detalhe. O sonho do vira-lata é fingir que é llhasa apso e por isso acha
que ser um llhasa é desfilar bolsa Prada no JK Iguatemi.
O
Brasil é terra de atrasado, corrupto, esculhambado, inculto, novo rico e
por aí vai. Tudo isso é verdade. A prova disso é que aqui luxo é
ostentação. Suspeito que grande parte do que há de fato de bom na Europa
e nos EUA em termos de hábitos e costumes (portanto, estamos falando de
moral) se deve ao fato de que nesses lugares as pessoas se movimentam
de modo diferente no cotidiano das suas tarefas.
Sempre
ouvi os mais velhos dizerem que "o costume de casa vai à praça" e isso é
a mais pura verdade. Além de fazerem sexo melhor, suspeito também que
os mais velhos entendiam bem melhor do que é essencial, principalmente
porque não tinham essa parafernália de ideologia e outros quebrantos
bobos como ferramenta de análise do mundo.
Eles
observavam a vida sem a presunção de ter descoberto a chave do mundo,
como nossos contemporâneos viciados em "teorias de gabinete", como dizia
Edmund Burke.
Lembro-me
bem que minha filha, chegada à França com cerca de dois anos de idade,
chorava porque não podia lavar louça como meu filho, seu irmão, mais
velho do que ela nove anos. Isso é sintomático de muitos outros pequenos
detalhes: para ela, lavar a louça era parte de ser da família. Meu
filho, minha mulher e eu partilhávamos todo o cuidado com a vida
cotidiana, inclusive o cuidado com a caçulinha.
Em
países como a França, Alemanha, Israel, EUA e outros semelhantes, você é
responsável por tudo que acontece na sua casa. Roupa, comida, limpeza,
compras, resolução de pequenos problemas logísticos, enfim, da
sustentação da vida.
As
casas (menos nos EUA, mas ainda assim a ocupação de espaço é diferente
da nossa) são menores e mais simples, mesmo que com mais parafernália
tecnológica, quando você tem condição de tê-la.
O
que me chama atenção em relação às casas não é só seu tamanho, mas a
ocupação do espaço. No Brasil temos a famosa sala de visita que, se você
"está bem de vida", deve ser completamente inútil e parecer desocupada.
Por isso, sempre suspeito que manter uma parte da casa sem uso é signo
de vira-lata.
As
aristocracias antiga e medieval, as únicas verdadeiras, também não
tinham castelos sem uso. Burguês, e aristocracia falida, com "castelo"
na zona leste ou nos Jardins é coisa de "wannabe", como dizem meus
alunos.
Goethe,
em seu maravilhoso "Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister",
descreve o que é a casa de um burguês: ter mais coisas do que precisa e
não ter uma relação de uso e necessidade real com os objetos da casa.
Este
é o caso. Uma sala de visitas imaculada faz você parecer rico o
bastante para manter parte da sua casa sem uso e, com isso, você trai
sua breguice burguesa. Acho que grande parte de nossas agruras vem do
fato de que não lavamos louça com frequência e de que temos cômodos
dissociados de nosso cotidiano e necessidades.
Basílio
Magno (século 4) criou a regra da vida monástica: estudar, contemplar,
trabalhar.
Uma atividade alimenta a outra, e as três formam o espírito. A
sabedoria monástica é uma
das maiores criações do espírito humano.
Entre
nós, dar "tudo" para os filhos até os 40 anos de idade é signo de
sermos bons pais. E com isso preparamos adultos retardados e com futuras
salas de visita cheias de fantasmas de nossa pobreza de espírito.
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