Vivemos uma
vida para doentes mentais. A Romênia já nos deu Cioran, Eliade, Ionesco.
Agora nos dá Matéi Visniec, e a É Realizações traduziu várias de suas
peças.
Entre elas, "A
História do Comunismo Contada aos Doentes Mentais" nos dá a conhecer um
medíocre escritor, convidado a contar a história do comunismo a doentes
mentais dias antes da morte de Stálin.
Mas, para além
do aspecto específico de uma reflexão sobre a conhecida praga do
marxismo, chama atenção a reflexão sobre o mal que o autor faz em suas
obras, principalmente na face contemporânea e histórica.
Os romenos são
grandes "filósofos do mal". Tenho um profundo preconceito por quem acha
que não existe o mal. Este tipo de antropólogo de boutique que confunde
relativismo cultural com discussão moral séria.
Segundo o que
nos dizia Cioran, na Romênia, ninguém se dava ao luxo de suspeitar da
existência do mal, porque o fatalismo pessimista daquele povo era por
demais "empírico": séculos de violência.
Segundo o
autor, o mal em sistemas totalitários é fácil de ser identificado: a
perda da liberdade, da privacidade, do horizonte, enfim, do tônus da
vontade. Mas, na França em que vive desde seu exílio em 1987, o mal não é
tão fácil de ser identificado. Para Visniec, aquilo que as ditaduras
marxistas não conseguiram realizar plenamente, a formatação do homem
para a condição de gado ou de doente mental, a "liberdade de consumo"
das democracias ocidentais estão conseguindo. Este é o "nosso mal".
Como o leitor
bem sabe, suspeito de toda crítica à sociedade de mercado quando feita
por alguém que supõe conhecer uma melhor forma de vida e que afirma que
esta melhor forma passa pelas ideias idiotas que alimenta em sua
cabecinha intelectualmente provinciana e autoritária. Mas este não é o
caso de Visniec.
Tendo vivido
sob o regime totalitário marxista, ele carrega a marca de quem conheceu o
mal na intimidade que só a forma banal do cotidiano traz.
Para as
sociedade ocidentais funcionarem, temos que comprar. Para comprar no
nível que a máquina econômica nos pede, temos que, mais do que comprar,
consumir sempre e cada vez mais. Portanto, ao consumirmos "livremente" e
com alegria, somos o gado pacificado que os regimes marxistas tentaram
criar e não conseguiram. Um cidadão responsável neste mundo afirma sua
integridade pagando a conta do Visa em dia.
Só alguém sem
alma pode ver um shopping center no fim de semana e não ter vontade de
vomitar. Um certo mal-estar com relação à sociedade de consumo é
necessário se você quiser manter sua saúde mental em dia. A sociedade
que consome sem um mínimo de mal-estar é uma sociedade de doentes
mentais.
O problema é
que não conhecemos nenhuma experiência histórica real na qual a
liberdade política tenha sobrevivido ao extermínio da liberdade de
iniciativa econômica.
Por outro lado,
a vida humana é precária e tudo tem um custo real. Não conhecemos
nenhuma forma de criar ciência, conforto, técnica, direitos humanos sem o
uso de dinheiro. E assim voltamos ao consumo: o consumo garante a
sobrevivência da economia no nível exigido pelo nosso desejo de
conforto, ciência, técnica, direitos humanos.
Visniec se
choca com uma Europa que tudo que parece querer é comprar. O Leste
Europeu, quando ficou livre, gritou "Prada!". A liberdade conquistada
foi para ir ao shopping no fim de semana e comprar toda essa gama de
lixo que se compra, com a "boca cheia de dentes esperando a morte
chegar...".
Nenhum intelectual parece entender que somos banais como doentes mentais.
Visniec pensa
que temos que buscar novas utopias. O interessante é lembrar que a
felicidade representada pelo "sou livre para comprar" também foi uma
utopia na Europa. O euro é o nome dessa utopia.
Melhor abrirmos
mão da ideia de utopia. Quanto mais rápido desistirmos de um mundo
melhor, mais rápido perceberemos que a consciência, de fato, é um ônus.
E também, como
dizia Yeats, "os melhores não têm convicções enquanto que os piores
estão sempre cheios de intensidade passional". O desafio hoje é pensar
sem utopias.
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