No início da campanha presidencial de 2010, o então senador Sérgio
Guerra, numa entrevista à revista Veja, declarou que “o Serra está à
esquerda do PT”.
Lula, antes, havia dito que o Brasil havia
evoluído politicamente, pois todos os candidatos à presidência eram de
esquerda. O fato de, na sua ótica, não haver na disputa nomes do campo
conservador representava uma “evolução”.
Essa tem sido uma
anomalia reincidente desde o início da redemocratização: considerar que a
presença de forças conservadoras representa um retrocesso democrático.
É
exatamente o contrário. O que caracteriza a democracia é a presença,
com perspectiva de poder, de todas as forças que compõem o arco
político-ideológico da sociedade. E a sociedade brasileira, segundo
reiteradamente atestam todas as pesquisas comportamentais, é em grande
parte conservadora.
Não é à toa que partidos e candidatos, no
curso das campanhas eleitorais, cumprem um ritual coreográfico contrário
às suas agendas doutrinárias, visitando igrejas, confraternizando com
lideranças religiosas, participando de cultos aos quais são indiferentes
ou mesmo profundamente críticos.
Trata-se de uma mimese dos
candidatos com o único sentido de iludir o eleitor. Fingir que abraçam e
defendem valores que, no entanto, abominam e contra os quais conspiram.
Por que o tema do aborto, nas eleições presidenciais, provocou tanto
desconforto em Dilma Roussef? Simples: ela sabia que sua verdadeira
opinião, gravada em vídeos que circulavam na internet, não correspondia à
da maioria do eleitorado ao qual pedia votos. Foi preciso então que se
manifestasse em sentido contrário, negando o que já afirmara reiteradas
vezes.
Idem a questão do kit gay na campanha de Fernando Haddad, à prefeitura de São Paulo.
Tanto
Dilma quanto Haddad sabem, pois conhecem as pesquisas, que a maioria do
povo brasileiro é contra ambas as iniciativas. Não cabe aqui
analisá-las.
Importa registrar que são repudiadas pela maioria da
sociedade. Como não há voz partidária que se oponha a esses temas, os
próprios mentores daquelas propostas incumbem-se de desmenti-las ao
público, sem prejuízo de, depois de eleitos, as implementarem.
Em suma, a esquerda assume o discurso que, em circunstâncias normais, deveria caber aos conservadores.
O
PSDB padece de uma esquizofrenia, que o tem levado a sucessivas
derrotas: quer se opor ao PT com a mesma agenda do PT. Não conseguirá. O
discurso de esquerda, no Brasil, já tem dono.
Os tucanos querem os votos conservadores, mas não ousam assumir,
mesmo parcialmente, suas propostas, pelo temor – já uma paranoia – de
vir a ser chamado de “direita”.
O resultado é que não ganham os
votos da esquerda – hoje quase monopólio do PT – e deixam de ganhar
votos no campo conservador. Em São Paulo, historicamente, um terço
votava no PT, outro terço no PSDB e o terço restante decidia a eleição.
Celso
Russomano, que chegou a ostentar mais de 45% nas pesquisas, perdeu
porque não resistiu à desconstrução moral que tucanos e petistas lhe
impuseram – e que se encaixou no seu breve currículo político.
Mas
seus votos não migraram para nenhum dos dois: Haddad foi eleito com
pouco mais de um terço dos que estavam aptos a votar; Serra ficou abaixo
do terço histórico - e o restante não votou em ninguém.
São
órfãos políticos. Fernando Henrique disse que o PSDB precisa se renovar.
Não se trata, porém, de providenciar candidatos mais jovens. Se
estivesse no lugar de Serra, com o mesmo discurso, um candidato com
metade de sua idade, seria derrotado.
Em política, o novo não está
na idade. Nero, com trinta anos, tocou fogo em Roma; Adenauer, com
noventa anos, reconstruiu a Alemanha pós-Hitler. Sem falar em Churchill,
De Gaulle ou mesmo Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, arquitetos da
redemocratização brasileira, todos mais que septuagenários quando
protagonistas de mudanças históricas.
O que importa é o discurso programático. Enquanto o PSDB insistir em
ser o PT, em estar à sua esquerda, não passará ao público uma mensagem
alternativa, nem muito menos convincente.
Será refém do discurso
do adversário e de uma agenda que já tem dono. É preciso audácia para
quebrar paradigmas. Vejamos se os tucanos (ou algum outro partido) a
terão. Assunto e eleitor não lhes faltarão.
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