Por Estadão,
Uma "cortina de ferro" pode estar sendo baixada para dividir a
internet em duas - a aberta e a fechada. Essa perspectiva sombria, que
lembra o cenário da guerra fria, inclusive com os mesmos protagonistas,
surgiu como resultado da recém-encerrada conferência da União
Internacional de Telecomunicações (UIT), órgão da ONU, realizada em
Dubai.
Dos 144 países com direito a voto, 89 aprovaram um novo tratado sobre
os ITRs, como são chamados, na sigla em inglês, os regulamentos
internacionais de telecomunicação. Os Estados Unidos, seguidos de todos
os países da Europa, além de Canadá e Japão, recusaram-se a assinar o
documento, sob a alegação de que ele confere aos governos o poder de
interferir no livre fluxo de informações na internet. Do lado dos que
firmaram o texto estão Rússia e China, além do Irã e de países árabes,
todos interessados em impor alguma limitação à web.
O Brasil alinhou-se a esse grupo, com a justificativa, segundo o
ministro Paulo Bernardo (Comunicações), de que o novo acordo é uma forma
de combater o "monopólio" dos Estados Unidos em relação à governança da
internet.
É uma referência ao fato de que o governo americano integra as
instâncias decisórias na Icann (Corporação da Internet para Atribuição
de Nomes e Números), entidade privada sediada na Califórnia cuja função
básica, desde 1998, é administrar os domínios da rede no mundo todo,
algo essencial a seu funcionamento, mas que não exerce controle nenhum
sobre o tráfego de dados na internet.
Já os acordos resultantes da conferência de Dubai, ao abrigarem uma
resolução que cita a internet, na prática abrem caminho para que a UIT,
uma organização intergovernamental, tenha condições de regulamentar a
web.
Trata-se de uma distorção, porque a UIT é responsável por normatizar
os serviços de telecomunicações, e a internet não é se não apenas um
cliente desses serviços. Um exemplo desse problema é a parte da
resolução que aborda o chamado "spam", isto é, a mensagem eletrônica não
solicitada, enviada em massa. Para os opositores do acordo, a definição
do que é um spam, se deixada aos governos, será sempre arbitrária e
muito possivelmente contrária à liberdade de expressão. Além disso, uma
UIT com mais poder sobre a internet seria muito útil para as grandes
empresas de telecomunicações interessadas em participar das novas formas
de ganhos com a web. Por outro lado, uma vez que deixem de ser apenas
meio de transmissão e passem a ter influência sobre o tráfego de dados,
essas empresas poderão romper a neutralidade da rede, impondo tarifas
diferenciadas para cada tipo de serviço. Tais pedágios contrariam os
princípios de igualdade da internet.
Não se discute que os governos devem agir para garantir a segurança, a
proteção de dados e o respeito à propriedade intelectual na internet.
No mais, a atuação deve ser indireta, tal como no sistema adotado pelo
Brasil, em que o Comitê Gestor da internet, do qual o governo é apenas
uma parte, serve como órgão consultivo sobre a web, sem ter qualquer
poder executivo sobre ela. Além disso, desde 1995 a internet está
formalmente fora da Lei Geral de Telecomunicações, sendo considerada
apenas um "serviço de valor adicionado". É justamente a ausência de
controles oficiais que torna a internet dinâmica, capaz de inovar
continuamente, e o modelo brasileiro está entre os melhores do mundo
para mantê-la assim.
Contudo, a título de tirar dos Estados Unidos o suposto controle
político da internet, países com tradição autoritária tentam legitimar
internacionalmente um controle do tráfego de informações na web. O
resultado é que a própria UIT, entidade que interfere em questões
básicas das telecomunicações, como a coordenação de recursos de
telefonia e do uso do espectro de radiofrequência, sairá enfraquecida
desse confronto, algo que não aconteceu nem durante a guerra fria
propriamente dita. E o governo brasileiro, movido por seu eterno
objetivo ideológico de se contrapor aos Estados Unidos, assinou o
tratado e aprovou a resolução sobre a internet sem reservas, legitimando
esse atentado.
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