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Mao Tse Tung em 1934 – A marcha que começou na China e
terminou no Facebook
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O século XX foi o século da
marchas. Grandes, pequenas, em nome de Deus, contra Deus, a favor e contra os
diversos regimes políticos, lideradas por Trostsky, Gandhi ou Hitler, tanto
faz.. Marchou-se em nome dos sem terra, dos sem teto, dos sem escola, pelo
sufrágio universal, pelo direito das minorias... Desde o voto feminino até a
legalização da maconha, as ruas foram tomadas e o transito foi
interrompido praticamente em nome de
tudo.
Não é preciso fazer força para
perceber algo que existia em comum em todos estes movimentos: uma forte noção
do seu tempo. Cada manifestante, desde 1917 até o maio de 68 sabia muito bem
que marchava para que a história não se repetisse nos erros ou que mudasse em
direção “a um mundo melhor”. Sabia-se que havia ontem, hoje e amanhã..que algo
havia sido herdado e alguma coisa ficaria para o futuro. As pessoas ainda
“tinham história”, mas aos poucos um fenômeno interessante passou a ocorrer – o
conteúdo da luta passou a ser substituído pela forma. Cantando “quem sabe faz a
hora, não espera acontecer” uma geração inteira – a de 1968 – misturou Sartre
com Mao Tse Tung num verdadeiro delírio de ativismo em que pouco importa o
motivo da manifestação; a manifestação é o seu próprio motivo.
Desde os movimentos da
Universidade de Berkley até o Facebook, as marchas vem mudando num sentido perigoso....Não existe mais, hoje em dia,
como um identificar o perfil daquele que participa de uma determinada
manifestação. Cara-pintada ou cara-limpa, foice ou mouse de computador na mão,
nasceu o homem-marcha: aquele que faz da
marcha o seu próprio destino e que integrado na nova ordem deixou de subir
montanhas e atravessar desertos porque isso não se faz mais necessário.
O ativista do seculo XXI tem na
internet a sua estrada e no discurso do lugar-comum a sua bandeira. Não há
valor moral a orientá-lo capaz de superar a importância do número de adesões ao
seu Blog. Quanto mais seguidores alguém tem na internet, mais verdadeiro deve
ser o seu discurso. Dane-se portanto todo esforço acadêmico (necessariamente
individual para ser verdadeiro) e toda história pregressa. Esqueça-se o
recolhimento, o poder da humildade e da oração.
A verdadeira história não existe
para o Homem-marcha. Para ele, o que existe são interpretações cuja veracidade
é conferida por aquele botão da rede social: “curtiu” ou “não curtiu”. Vítima
da desconstrução, do estruturalismo e outras escolas de pensamento que beiram a
esquizofrenia, o ativista do século XXI é uma “interpretação em busca de um
fato”. Ele jamais vai aceitar que 1968 não é o “ano que não acabou”, mas sim o
ano que “jamais deveria ter começado”. Não há legado algum deixado pelos
doentes que misturaram filosofia com LSD
e se revoltaram contra a Guerra do Vietnã apoiando o maoísmo, e é esse o berço
do homem marcha.
Ainda criança o homem-marcha foi
abusado por Foucault e abandonado por Derrida. Adolescente, sua primeira
camiseta tinha uma foto de Che Guevara. Defendendo o Sistema Único de Saúde mas
com um bom convenio para sua família, ele hoje acredita na Revolução Cubana e
frequenta a Quinta Avenida em Nova York enquanto seus filhos dirigem a UNE
(União Nacional dos Estudantes) sempre com orientações de José Dirceu.
Vagando de blog em blog e dormindo em redes sociais diferentes o
homem-marcha se move como um fantasma pela internet sempre buscando uma “causa
para sua interpretação”. Bolsista de si próprio, acredita que a História tem
uma dívida com ele e no dia do grande acerto de contas a suas
respostas vão estar na ponta da língua - elas aguardam
apenas a pergunta certa.
Questionado sobre Deus, ele
afirma acreditar “numa energia superior”. Abordado na sua opinião sobre os
homossexuais ele diz que sexo é “uma opção de cada um”. Perguntado a ele qual o
maior risco que a raça humana enfrenta hoje em dia a resposta imediata é “o
aquecimento global”.
Verdadeiro morto-vivo da nossa
época o homem-marcha é um prisioneiro.
Sua cela não tem tempo nem espaço próprios. Ele se debate entre as flores do
movimento hippie e as marretas que derrubaram o Muro de Berlim, e chora
trocando as letras dos Beatles com Michel Teló. Suas bandeiras trazem dois lemas – “isso sempre foi assim” e
“eu não sabia de nada”.
Pobre homem-marcha que caminha
num mundo virtual procurando “companheiros”para ajudar a formar a última marcha
da sua vida..A Marcha dos Sem História.
Porto Alegre, 11 de janeiro de
2013.
Milton Simon Pires (é cardiologista e colaborador d'O Bico do Tentilhão)
cardiopires@gmail.com
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