Por Folha de São Paulo,
Quentin Tarantino e Kathryn Bigelow são as polêmicas cinematográficas do
momento. Tudo porque os dois assinaram filmes que não se ajustam à
visão "liberal" (leia-se: politicamente correta) que reina nos Estados
Unidos e nas cabeças ocas de Hollywood.
Comecemos por Tarantino:
"Django Livre" é, cinematograficamente falando, um dos seus melhores filmes.
Mas, na cabeça das patrulhas, a arte de Tarantino não deve ser consumida
com critérios estéticos. Só com critérios éticos e historicamente
estreitos: Tarantino desrespeitou o passado de sofrimento dos negros,
acusou Spike Lee, antes mesmo de ter assistido ao filme.
E, depois de Spike Lee, vieram as brigadas dos direitos civis, que acusaram o diretor de fazer uma caricatura da escravidão.
Com Kathryn Bigelow, uma mulher que tem mais testosterona do que todos
os machos liberais de Hollywood juntos, o problema foi outro: em "A Hora
Mais Escura" (que estreia em 15 de fevereiro no Brasil), Bigelow faz
uma apologia da tortura e das execuções extrajudiciais. No caso, a
execução de Osama Bin Laden.
Suspiros. Que dizer? Talvez o óbvio: nem Tarantino nem Bigelow são
culpados dos crimes de que são acusados. E, para isso, é importante
assistir aos filmes.
Em "Django Livre", Tarantino conta a história de um escravo que se
transforma em anjo vingador no sul pré-revolucionário dos Estados
Unidos. Django quer libertar a mulher, escrava como ele; mas quer também
castigar violentamente os próprios escravocratas.
No fundo, Tarantino repete, em "Django Livre", o mesmo programa de
"Bastardos Inglórios": o cinema como instrumento redentor da história,
onde os carrascos são punidos pelas suas vítimas.
Em "Bastardos Inglórios", os carrascos eram os alemães em plena Segunda
Guerra Mundial, rebentados às pauladas por um judeu com particular
talento para esmagar crânios nazistas.
Em "Django", esse prazer infantil e extravagantemente visual pertence a um escravo. Onde está o crime?
O crime, é lógico, está no fato de Tarantino virar o jogo, concedendo às
vítimas da história uma espécie de vingança póstuma e cinéfila. As
patrulhas politicamente corretas perdoam tudo. Exceto que as suas
vítimas de estimação tenham direito a usar paus, chicotes ou armas.
E se assim é no cinema, assim será na realidade: hoje, muitas das
críticas à política de Israel são por simples compaixão frustrada. Como é
possível que os judeus de ontem, dóceis como cordeirinhos, não estejam
mais dispostos a marchar pacificamente para o gueto ou para o matadouro?
Finalmente, Kathryn Bigelow. No seu penúltimo filme, "Guerra ao Terror",
Bigelow já tinha tocado em nervo sensível ao mostrar o gosto que existe
nos homens pela adrenalina da destruição. Nada que Joseph de Maistre
ou, posteriormente, Sigmund Freud não tenham explicado por escrito.
Dessa vez, em "A Hora Mais Escura", Bigelow vai mais longe --e faz uma
vênia a Nietzsche para mostrar a verdade mais trágica da nossa
civilização: o fato de ela se sustentar no trabalho sujo de terceiros.
O liberal progressista gosta de acreditar que o mundo é um jardim
infantil, onde os homens são naturalmente bons e tudo se resolve pelo
"diálogo" e pelo "respeito".
Bigelow mostra o outro lado da fantasia. Mostra como as nossas vidas de
conforto e segurança são muitas vezes garantidas por "sangue, suor e
lágrimas". De aliados, sem dúvida. Mas, sobretudo, de "inimigos".
E uma sequência do filme ilustra o ponto de forma brutal: quando vemos
Sua Santidade Barack Obama, em entrevista televisiva, garantindo que os
Estados Unidos não torturam -e os torturadores assistem à entrevista,
sem esboçar um sorriso, na pausa de uma das torturas. Desconfortável?
Sem dúvida. Mas quem quer verdades confortáveis pode sempre assistir a
"Argo", filme dirigido por
Ben Affleck que, suspeita minha, vai levar o
Oscar de melhor filme neste ano.
Em "Argo", um operacional da CIA entra no Irã revolucionário de 1979
para resgatar o pessoal diplomático da embaixada dos Estados Unidos.
Entra sem disparar uma bala, sai sem disparar uma bala.
Honestamente: haverá coisa mais bonitinha?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
1. Seja polido;
2. Preze pela ortografia e gramática da sua língua-mãe.