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Cabine do bombardeiro B-29 “Necessary Evil” – foto
antes do ataque a Hiroshima
Uma época em que o “bem” e o “mal” ainda existiam.
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Há séculos o problema do mal
aflige filósofos, historiadores e todo aquele que na condição humana se questiona sobre o caráter tantas
vezes injusto da vida. Através dos tempos as reações da sociedade aos horrores
cometidos em nome do Estado, da Igreja e, acima de tudo, do poder e do dinheiro
tem passado por estágios que apresentaram sempre uma característica constante:
a ideia de anormalidade, de saída da rotina e de algo que não pode ser aceito
como coloquial.
O entendimento do problema do mal
pela filosofia parte com frequência de 3 hipóteses: o mal é um produto da
vontade humana, é uma força externa, ou uma ilusão da consciência .As
explicações invocam preferencialmente a injustiça social e as doenças mentais,
mas não se constrangem, se necessário, em apelar até para possessão demoníaca
como causa das tragédias que a
humanidade já enfrentou.
Desde a época do chamado “mal
necessário à sobrevivência”, aquele que se fazia em nome dos instintos básicos
e sem a presença do Estado, até a chamada “banalização” que Hannah Arendt descreveu em “Eichmann em Jerusalém”, a
impressão do mal como o elemento estranho a ordem social tem causado
desconforto a uma espécie que encontrou no amor e na caridade a força para
superar todas as outras. Para entender este conflito que atormentou desde os
selvagens até os filósofos da Escola de Frankfurt, os pensadores fizeram uso de
racionalizações. Santo Agostinho, por exemplo, afirmava que toda coisa que se
corrompe guarda em si algo de bom, já que se fosse perfeitamente boa não
poderia se corromper e se nela não houvesse nenhum bem nada haveria a ser
corrompido.
Seja justificando como fazia
Maquiavel ou banalizando como fizeram Hitler e Stalin, o mal sempre se
apresentou com desculpas peculiares. As grandes religiões, nos seus conflitos
com os poderes do Estado, muitas vezes viram-se, elas próprias, acuadas.
Primeiro tentaram explicar (e nunca conseguiram satisfatoriamente) como Deus,
tendo criado tudo, permite a existência do mal. Segundo; como o próprio mal
pode ter sido feito “em nome de Deus”. Ao falharem abriram as portas para o
Terror do Estado.
Não deixa de ser trágico, e até
certo ponto cômico, que os maiores genocídios da história tenham sido
realizados em nome de algo chamado “bem maior” (seja lá o que isso queira dizer) e que seus perpetradores
tenham sido os Estados; não os
indivíduos.
Neste pequeno texto quero partir
de uma premissa distinta – a ideia de que não é necessário mais banalizar a
maldade como algo corriqueiro e até mesmo trivial e que, ainda que banalizado, o mal traz consigo
a ideia de elemento alienígena a uma determinada ordem social cujas bases, não
contemplam a crueldade como natural. Isso ocorre porque estas sociedades, por
mais violentas que tenham sido, subordinaram seu ordenamento moral ao principio
de individualidade obrigando o Estado a construir através da burocracia, da
violência policial e da desinformação a condição de terror através da qual o
mal se banaliza.
É nos cidadãos e não nos estados
que reside a capacidade de distinguir, a
priori, o bem e o mal. Mais grave que a banalização do mal é a anulação da
consciência do indivíduo como única. Enquanto as pessoas tiverem uma
consciência independente, o mal precisa ser banalizado mas, quando a “consciência
do estado” conseguir substituir totalmente a do indivíduo sem o uso da
burocracia e da desinformação isso não vai mais ser necessário porque então não
haverá mais bem nem mal a se oporem.
Talvez este seja o mais importante
aviso a ser dado aqueles que pensam que o problema do mundo seja a falta de fé
e a banalização do mal porque Hanah Arendt viu na capacidade autoritária do
estado nazista uma pré-condição necessária para que Eichmann cometesse horrores
sem problema algum de consciência. O carrasco nazista acreditava estar agindo
“bem” e assim sendo “tinha sua consciência em paz”.
O domínio dos estados sobre os
indivíduos que vivemos hoje em dia é radicalmente distinto daquele idealizado
por Hitler ou Stalin. Sem apelar para uma “raça superior” ou “justiça social “a
chamada Nova Ordem” conseguiu, através do relativismo moral que lhe é peculiar,
dominar toda cultura ocidental. Ela misturou as três hipóteses da origem do mal
sem aceitar nenhuma como verdadeira. Criou-se assim uma quarta condição em
que não existe explicação alguma sobre as causas da maldade, mas tão pouco
existe a necessidade de nenhuma máquina estatal gigantesca capaz de gerar
terror e, a partir dele, o consenso que garante o poder.
Convivemos com pessoas que tem
toda chance de se informarem muito bem, de conhecerem (até pela internet) os
detalhes da máquina burocrática do estado e com uma polícia que se prepara com
cursos de psicologia e abordagem diferenciada de minorias, mas mesmo assim
vivemos com medo. Parece-me que no mundo atual não há mais necessidade do
terror visto que a revolução cultural permitiu criar um estado de consenso
sobre temas que até então tinham sido polêmicos. São lugares -comuns a respeito
de assuntos tão graves quanto a existência de Deus, homossexualismo e
aquecimento global (só para citar alguns exemplos) geradores de um enorme e
poderoso acordo silencioso sobre o que deve,
ou não, ser dito em sociedades “civilizadas e sem
preconceitos”.
Esse consenso nasce da ideia de
que não devemos mais fazer determinadas perguntas e o medo que mencionei acima
vem da vontade de questionar a opinião pública; não o conjunto de condições
políticas ou o Estado que a construiu.
É esse o mundo em que vivemos hoje
– um mundo onde o terror por parte do Estado não é mais necessário porque o
medo tornou-se, antes do próprio mal, uma condição imanente da ordem e onde não
há hipótese alguma que explique a causa
de tanta maldade.
Nasceu assim o mundo previsto por
Yeats em seu “Segundo Advento” - o mundo da Nova Ordem e do fim do Terror.
Porto Alegre, 25 de janeiro de
2013.
cardiopires@gmail.com
Milton Pires é médico cardiologista e colaborador d'O Bico do Tentilhão.
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