Milton Simon Pires
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O último fantasma - 1964 |
Revolução define-se como todo
processo capaz de provocar uma ruptura de caráter traumático no que se refere a
ordem econômica, política, e social de um grupamento humano. Fenômeno
frequentemente associado à violência e uso das armas, suas causas e efeitos são
facilmente perceptíveis até para o mais comum dos homens. Não existe, portanto,
revolução em silêncio.
Até hoje, não tive a surpresa de encontrar nenhum texto, seja ele destinado
ao público acadêmico ou leigo, em cuja exposição que fiz acima fosse incluído o
termo “cultura”. Foge do objetivo deste
pequeno artigo uma abordagem daquilo que se deva entender como cultura de uma
sociedade. Mais do que isso; escapa à capacidade de um autor sem formação
específica na área das ciências humanas escrever sobre os processos de
surgimento, apogeu e declínio das civilizações em termos culturais. O que me
atrevo a sustentar, e aí começo meu texto, é que falar sobre mudanças culturais
em uma determinada nação inclui observar este processo no decorrer do tempo em
que transcorre. Não é preciso portanto (embora com certeza ajude muito) ser
historiador, filósofo ou sociólogo para compreender que as pessoas não
abandonam religiões, mudam seus hábitos alimentares ou a maneira de falar
segundo o comando de um partido político ou força militar. Neste sentido,
torna-se um paradoxo falar em “Revolução
Cultural” já que, mesmo escrevendo sem uma definição precisa a respeito do que
é ordem cultural, sabemos que ela por si
mesma não pode ser “rompida de forma
traumática” como sustentei na primeira
linha.
Historicamente, a expressão
“Revolução Cultural” nos remete a um período e lugar muito específicos da
política contemporânea. Seria preciso voltar a China no período que vai de 1966
até a morte de Mao Tse Tung, dez anos depois, e esquecer o que escrevi até aqui
para acreditar que o Partido Comunista Chinês mudou a maneira de “ser” do povo
num período tão curto. Sem entrar em
destalhes a respeito, afirmo que isso não só não aconteceu como ainda tornou-se
o motivo para as mudanças realizadas por Deng Xiaoping que levaram toda a nação a um caminho diametralmente oposto. O
que pouco se diz a respeito deste processo todo foi que ele teve um papel importantíssimo no movimento de Maio de
68. Entender a ligação entre os dois fenômenos históricos é fundamental quando se quer afirmar que
aquele foi o “ano que não acabou”. Afirmo, e este é o objetivo do texto, que ali começou a
verdadeira “revolução”(termo infeliz) cultural no ocidente, que aquele ano de
fato nunca acabou e que é urgente, por parte de filósofos e historiadores, a
mudança de nomenclatura para definir o que está acontecendo, por que o que se
assiste hoje é o declínio progressivo da civilização ocidental. Autores como
Allan Bloom e Roger Kimball foram brilhantes quando atribuíram uma enorme
responsabilidade das universidades americanas neste processo. Em The Closing
of American Mind e, mais tarde, em Tenured Radicals assistimos aos
efeitos dramáticos da mistura de política e formação humanística nos Estados
Unidos. Vimos aquilo que aconteceu com os valores de beleza, verdade e justiça
quando estes conceitos fundadores da nossa civilização, herdados dos gregos,
foram substituídos pela agenda politicamente correta do Partido Democrata.
Apreendemos, de forma estarrecedora, o que novos programas universitários
destinados a interpretar o chamado “cânone da cultura ocidental” sob enfoque de “diversidade de gênero”,
minorias e do multiculturalismo fizeram com a formação dos alunos dos cursos de
artes, letras, arquitetura e ciências humanas. Pródigos em provas
incontestáveis, estes autores foram atacados seriamente pelo meio acadêmico
americano dominado pelos remanescentes de maio de 68. Mesmo sendo intelectuais
americanos, jamais conseguiram, num país com instituições muito mais fortes que
as brasileiras, serem levados a sério.
Vivendo num estágio de declínio
cultural muito mais avançado do que aquele que ocorre nos Estados Unidos, o
Brasil é um país sem instituições. Temos o Estado, temos o povo, e temos a
mídia, mas não há nenhuma força autônoma capaz de oferecer um projeto que faça
frente ao que descrevi acima. Ao que tudo indica, as mudanças que vem
acontecendo são tão rápidas e o pensamento brasileiro agoniza de forma tão
gritante, que nosso silêncio passa – aí sim – a ter uma conotação política.
O silêncio é a prova dramática de
que o medo é a força geradora da nossa capacidade de não reagir, de se
conformar, e de se submeter. Um medo de ser considerado
diferente ao questionar o aquecimento global, ao se posicionar contra cotas
raciais ou ao criticar o SUS. Uma angústia terrível causada pela necessidade de
se calar, de não se dizer contra o casamento gay, de não duvidar da bondade dos
pobres ou da integridade dos ciclistas. Uma tristeza infinita, e
necessariamente muda, quando encontramos alguém com mais pena dos
filhotes de foca do que das crianças doentes,
e que, no maior país católico do mundo,
chama de Deus de “algo superior”. Quando dormimos são fantasmas que nos
aparecem nos sonhos. Eles se apresentam com nomes como DOPS, DOI-CODI ou
SNI..eles não trazem o número 666, mas sim o 1964, eles vem para nos
aterrorizar e para nos convencer de que hoje vivemos melhor...e de que portanto
não devemos nos manifestar..São eles quem ofendem Yoani Sánchez, que nos fazem
esquecer Santa Maria, Renan Calheiros ou José Dirceu.
Eles vem para garantir a
verdadeira Revolução Cultural, não na
China de 66 mas no Brasil de 2013, e dar
um sentido político ao nosso silêncio...
Eles são os nossos últimos
fantasmas...
Porto Alegre, 20 de fevereiro de
2013.
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