Por Ordem Livre,
Foi Karl Marx quem cunhou o depreciativo termo “capitalista” para
identificar um sistema econômico que havia recebido de Adam Smith uma
expressão mais descritiva e bonita: “sistema de liberdade natural”. A
origem negativa do termo é um dos motivos pelos quais a discussão sobre o
capitalismo necessita de um esclarecimento. Seja para atacá-lo ou
defendê-lo, é importante entendermos primeiro o que o capitalismo não
significa.
O capitalismo não é exclusivamente “capitalista”. A
acumulação de capital é um fato existente em qualquer sociedade,
independentemente de sua estrutura política e econômica. Max Weber já
dizia em A ética protestante e o espírito do capitalismo que “a
ganância pelo ouro é tão antiga quanto a história do homem”. E que onde
o capitalismo era mais atrasado encontrava-se “o reino universal da
absoluta falta de escrúpulos na busca dos próprios interesses por meio
do enriquecimento”. No entanto, as pessoas ainda encaram o capitalismo
como um ordenamento moral, um modo de vida em que a acumulação de
riqueza é o bem superior. Mas a defesa do capitalismo não significa a
defesa de um homo economicus cuja única preocupação na vida é
ganhar dinheiro. Há muitas coisas mais importantes do que a acumulação
de capital, como a família, a religião, a arte e a cultura. E isso
realça a importância da economia de mercado. É verdade que no livre
mercado há mais oportunidade para aquele que pretende enriquecer, mas
nele o filósofo também tem mais oportunidade de aprender e o artista tem
mais oportunidade de se expressar. E é por meio do livre mercado que o
filantropo, a pessoa que deseja ajudar o próximo, dispõe de mais
recursos para fazer assistência social, e, através do sistema de preços
livres, pode utilizar seus recursos de forma mais eficiente.
O capitalismo não é a burocracia internacional. As
pessoas de esquerda costumam identificar pelo termo “neoliberal”, tanto
as reformas modernizadoras que diminuem a participação do Estado na
economia, quanto as organizações inter-governamentais como o Banco
Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Como neoliberalismo e
capitalismo são termos intercambiáveis no discurso vulgar, o FMI e o
Banco Mundial aparecem como braços operadores do capitalismo
internacional. Essa confusão também costuma ser feita por pessoas de
direita que, definindo-se por sua oposição sem reservas à esquerda,
acabam defendendo instituições burocráticas como se fossem partes
integrantes do sistema capitalista. Nesse caso, a esquerda tem razão em
denunciar a arrogância de agências internacionais, que nada mais são do
que uma forma de planejamento central de larga escala. Enquanto o
liberal entende que a prosperidade depende da utilização do conhecimento
e dos incentivos dispersos na sociedade, os burocratas internacionais
acreditam que podem comandar o desenvolvimento econômico na Zâmbia ou em
Guiné-Bissau de seus escritórios em Washington e Nova York. O resultado
não tem sido animador. O jornalista Andrew Mwenda, de Uganda, continua
sem resposta para sua pergunta sobre exemplos históricos de países que
tenham realmente prosperado graças à ajuda externa. De 1975 a 2000, o
continente africano recebeu em auxílio externo uma média de 24 dólares
per capita por ano. Entretanto, o PIB africano per capita diminuiu a uma
taxa média anual de 0,59%. Durante o mesmo período, o PIB per capita do
sul asiático cresceu a uma média de 2,94%, apesar de ter recebido em
auxílio externo uma média de apenas 5 dólares per capita a cada ano.
Políticas de abertura de mercado têm um efeito mais positivo do que o
planejamento internacional financiado por impostos. Na verdade, em vez
de criar economias de mercado ativas e autônomas, as políticas do Banco
Mundial diminuem a dependência dos governos por sua própria população,
já que a receita não vem dos tributos extraídos do desenvolvimento
econômico doméstico, mas das negociações com outros burocratas. O poder
da população é transferido para essas organizações, criando uma cultura
de dependência em que a miséria local apenas aumenta o poder de barganha
dos governos que recebem auxílio externo. O resultado é a perpetuação
da miséria.
O capitalismo não é a política norte-americana. Apesar
de os Estados Unidos historicamente terem tido um de seus pilares no
livre mercado, grandes contribuições para a compreensão do capitalismo
foram feitas em outros paises. Sem contar que, ultimamente, o governo
americano tem feito um ótimo trabalho de difamação do nome do livre
mercado. O crescimento nos gastos da atual administração superam a de
qualquer outro presidente desde o democrata Lyndon Johnson, criador do
programa assistencialista da Great Society. George W. Bush foi o
primeiro presidente americano a assinar um orçamento de mais de 2
trilhões de dólares. E também foi o primeiro presidente americano a
assinar um orçamento de mais de 3 trilhões de dólares. Um aumento que
inclui gastos significativos na previdência social e saúde pública, além
dos gastos bélicos. As recentes aventuras no Oriente Médio também não
podem ser consideradas políticas pró-capitalistas. A própria guerra e a
permanência no Iraque são um experimento socialista de escala
internacional, que já custou mais de 1 trilhão de dólares e cerca de 30
mil vidas. Liberais defensores do capitalismo não acreditam que nações
são violentamente construídas por meio da política, mas que se
desenvolvem espontânea e pacificamente. É o socialismo que defende a
prosperidade planejada. E o que o governo americano tem feito no Iraque é
um planejamento de longo alcance.
O capitalismo não é a defesa irrestrita das grandes corporações. Os
defensores do livre mercado entendem que os negócios podem tanto servir
quanto prejudicar a população em geral. Em um sistema intervencionista,
toda empresa que quer aumentar o seu lucro tem duas opções: investir em
produtividade, para competir pelos consumidores, ou investir em lobby,
para competir pelos favores políticos. A competição para servir à
sociedade é capitalismo, a competição para servir ao governo é
mercantilismo. São os mercantilistas que defendem legislações
protecionistas de corporações contra a competição estrangeira e
doméstica. Os liberais defendem um mercado aberto, em que a manutenção
de um negócio depende do oferecimento de serviços e produtos que
satisfaçam ao consumidor.
O capitalismo não é a perpetuação das elites. São os
oponentes do capitalismo que, ao defender maior concentração de poder
nas mãos de políticos e burocratas, constroem um sistema corrupto e
estático, no qual há pouco espaço para a mobilidade social e pouca
oportunidade para o desenvolvimento da criatividade humana. Há doses de
capitalismo em diferentes sociedades do mundo, mas não há uma sociedade
onde a economia seja puramente livre, e nem o Brasil está entre as
economias mais livres do mundo. Na verdade, de acordo com o ranking de
liberdade econômica publicado anualmente pelo Fraser Institute, do
Canadá, o Brasil encontra-se no 101º lugar entre 168 países examinados,
empatado com Paquistão, Etiópia, Bangladesh e Haiti. No Brasil, há
excesso de burocracia para a entrada e a permanência no mercado, uma
legislação trabalhista rígida, que empurra os trabalhadores para a
informalidade e uma legislação tributária que já foi considerada pelo
Fórum Econômico Mundial como a mais complexa de todo o mundo. Os
oponentes do livre mercado insistem no controle governamental da
economia para resolver os problemas que foram criados pelo próprio
governo. Defender o livre mercado é defender a estrutura de um sistema
econômico dinâmico em que se estimula a produção de riquezas e se
permite a mobilidade social.
O capitalismo não é a defesa do tratamento desigual das pessoas. Há
diversas formas de tornar as pessoas mais iguais. Os igualitários
normalmente não pretendem torná-las mais iguais em conhecimento ou em
beleza, mas em recursos, pelo menos em alguns recursos que consideram
fundamentais. É bem verdade que o livre mercado não se baseia na
igualdade de recursos. Mas isso não significa um tratamento desigual das
pessoas. A igualdade liberal, da qual floresce o capitalismo, é a
igualdade de direitos, a igualdade perante a lei. Isso significa que as
questões de justiça e o uso da sua liberdade no mercado não dependem de
quem você é, mas do que você faz. O capitalismo é um sistema econômico
de cooperação mútua, apoiado em uma estrutura de direitos na qual
prevalece a igualdade jurídica entre as pessoas. As pessoas no livre
mercado não são iguais em “distribuição de renda”, mas são iguais em
liberdade.
Por fim, capitalismo não é socialismo. O capitalismo
não é uma imposição do governo, nem o mercado é uma ideologia em que a
teoria necessariamente precede a prática. O capitalismo é simplesmente o
que ocorre quando as pessoas têm liberdade para fazer trocas, apoiadas
em direitos de propriedade bem definidos. É o socialismo que necessita
da mobilização social para alcançar um objetivo comum entre todas as
pessoas. O socialismo precisa da pregação e da concentração de poder na
autoridade manipuladora. O socialismo é a politização da vida econômica,
é um discurso interminável do Fidel Castro, é a transformação de tudo o
que é belo e espontâneo no dirigismo rígido da política. O livre
mercado é apenas o conjunto de ações de agentes humanos livres sobre a
alocação de recursos escassos. Se os propósitos desses agentes são
morais, a ordem gerada será igualmente moral. E é quando nós conseguimos
sinceramente compreender e avaliar o capitalismo que passamos a ter o
discernimento para defendê-lo ou atacá-lo.
Ótimo texto!
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