Por Diário do Comércio,
De fosse preciso alguma prova suplementar daquilo que escrevi no
artigo "A animalização da linguagem", os srs. Nirlando Beirão, Luís
Antonio Giron, Paulo Ghiraldelli e mais meia dúzia se apressaram
gentilmente a fornecê-la antes mesmo de que o artigo fosse publicado.
Não li ainda o livro do Lobão, O Manifesto do Nada na Terra do Nunca.
Mas, por si mesmas, as reações que essas criaturas lhe ofereceram
ilustram de maneira exemplar a animalização da linguagem.
A desenvoltura ingênua com que imaginam que basta carimbar um autor como
"direitista" para sepultá-lo sob dez toneladas de irrelevância mostra
que não usam a linguagem como seres humanos, para representar e analisar
o mundo, mas como cães que cheiram os órgãos genitais uns dos outros e,
ali reconhecendo instantaneamente o membro do grupo ou o estranho, dão o
assunto por encerrado.
Isso é a mais alta atividade cerebral de que são capazes.
Não se trata, sequer, de catalogação ideológica no sentido em que a
praticavam os velhos marxistas, a qual exigia ir além das meras
aparências partidárias e investigar se a intenção profunda de uma obra
ia na direção do realismo – "humanismo", no sentido de Lukács – ou da
negação idealista do processo histórico.
Nessa operação, o direitismo ou o esquerdismo imediatos já não contavam
como provas suficientes de uma identidade ideológica, de maneira que
reacionários de marca como Aristóteles, Shakespeare, Dostoiévski e
Balzac podiam até ser absorvidos no corpus da doutrina marxista como
seus antecessores e parceiros.
Uma vez o poeta Bruno Tolentino sugeriu que os "intelectuais de
esquerda" – na época ainda existiam alguns – deveriam ler meus livros
com esse espírito. Se o fizessem, teriam algumas surpresas e algum
ganho. Mas eles todos já morreram. O que sobrou foram os farejadores de
genitais, que ao primeiro sinal de uma presença hostil já saem correndo
para dar o alarma ao resto da matilha e, feito isso, julgam que
cumpriram o mais sublime dos deveres intelectuais.
As categorias interpretativas em que baseiam seus diagnósticos não têm
nada a ver com teoria marxista ou com qualquer tipo de pensamento
filosófico reconhecível. São estereótipos de histórias em quadrinhos,
filmes de aventuras e conversas de botequim.
O sr. Giron, por exemplo, cataloga-me "à direita de Átila, o Huno" e sai
todo pimpão, congratulando-se do símile originalíssimo. Nada mais
significativo da mentalidade de um falante do que a fonte de onde extrai
suas figuras de linguagem. Átila, historicamente, foi o líder das
massas bárbaras que, por onde passavam, desmantelavam a ordem social
imperial. Um revolucionário em toda a linha. No imaginário infantil,
porém, ele simboliza apenas o malvadão, donde o sr. Giron, sentindo o
cheiro de coisa ruim e espremendo suas cadeias sinápticas até à potência
máxima, conclui que deve ter sido um direitista. Dizem que o estilo é o
homem. Mas às vezes não chega a ser um homem: é apenas um cãozinho
amedrontado.
Quanto aos demais, nada tenho a acrescentar à nota que coloquei no
Facebook: "Estou impressionado com o número de pessoas que atacam o
Lobão por ter lido Olavo de Carvalho – um pecado que elas jamais
cometeram e cuja mera possibilidade lhes inspira um horror sacrossanto.
No mundo inteiro, quem critica um autor gaba-se de conhecer seus
escritos melhor que ninguém. No Brasil, a autoridade de julgá-lo e
condená-lo nasce da perfeita e intransigente recusa de ler o que ele
escreve. Tento explicar esse fenômeno aos americanos, mas eles acham que
estou com gozação."
A aliança de uma deprimente inferioridade mental com o instinto
exacerbado de autodefesa grupal produziu esse resultado: a absoluta
impossibilidade de um debate, de um confronto polêmico, mesmo feroz,
entre essas pessoas e um intelecto cujo conteúdo lhes escapa e do qual
só podem ter notícia, quando muito, pelos insultos com que o grupo o
designa de longe, entre zunzuns cavernosos, risos forçados e juramentos
de morte que jamais serão cumpridos.
A condição de todo debate, com efeito, é alguma intimidade com a mente
do adversário, alguma compreensão das percepções que o levaram à sua
visão do mundo. Isso pressupõe a disposição e a coragem de deixar-se
permear pela sua influência, confiando na própria força de superá-la
depois.
Mas quem sobrou vivo entre os "intelectuais públicos" deste país para
absorver e, se possível, superar ou contestar o que ensinei em O Jardim
das Aflições, em Aristóteles em Nova Perspectiva, em O Futuro do
Pensamento Brasileiro, em A Filosofia e seu Inverso e em nada menos de
quarenta mil páginas de aulas e conferências transcritas, sem contar uns
quinhentos artigos publicados na mídia desde 1998 e os trezentos e
tantos programas de rádio em que traduzi (ou talvez deformei) um pouco
do meu pensamento na linguagem do mais acessível esculacho popular?
Pode até parecer inacreditável, mas a hipótese de estudar a obra inteira
de um autor, mesmo na esperança de demoli-la impiedosamente, já está
fora do alcance e da capacidade não só de cada um desses indivíduos, mas
até deles todos em conjunto.
No Brasil a vida intelectual superior, mesmo na sua expressão mais
tosca, que é o debate ideológico, acabou. Se nos testes internacionais
os nossos estudantes tiram sempre os últimos lugares, não é sem razão: o
exemplo vem de cima.
Portanto, o conteúdo da minha obra, ou de qualquer outra que pareça
detestável, não interessa mais. Basta a rotulagem superficial, passada
de pata em pata entre bichinhos assustados para mantê-los a uma
profilática distância de uma influência ameaçadora.
Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia
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