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Bertrand Russell (1872-1970). Filósofo, lógico, matemático, historiador e crítico social. |
Embora Russell, o filósofo e matemático inglês, tenha flertado com o comunismo em parte de sua vida, chegou à conclusão que todo adulto normal chega mais cedo ou mais tarde: o comunismo não é uma posição intelectual racional. Retirado daqui, traduzi este pequeno texto de Russell, onde ele aponta as razões pelas quais rejeitou o comunismo:
Por que não sou comunista?
“Fico completamente perdido ao
tentar compreender como é possível que pessoas que são tanto humanas quanto
inteligentes podem encontrar algo para admirar no vasto campo escravagista
produzido por Stalin”
Com relação a qualquer doutrina
política, existem duas questões a serem feitas: (1) seus princípios teóricos
são verdadeiros? (2) Suas medidas práticas dão margem ao aumento da felicidade
humana? Penso que as premissas teóricas do comunismo sejam falsas e que suas
máximas práticas produzem um incomensurável aumento da infelicidade humana.
As doutrinas teóricas do marxismo
são, em sua maioria, derivadas de Marx. Minhas objeções a Marx são de dois
tipos: uma, que ele era um sujeito obscuro, outra, que seu pensamento foi quase que totalmente inspirado pelo ódio.
A doutrina da mais-valia, que supostamente demonstra a exploração dos
assalariados sob o capitalismo, origina-se de: (a) sub-repticiamente aceitar a
teoria da população de Malthus, que Marx e seus discípulos sempre repudiaram;
(b) aplicar a teoria de Ricardo do valor dos salários, mas não dos preços dos
artigos manufaturados. Ele está inteiramente satisfeito com o resultado, não
porque está de acordo com os fatos ou porque é logicamente coerente, mas porque
é feito para despertar a fúria nos assalariados. A doutrina de Marx de que
todos os eventos históricos foram motivados por conflitos de classe é
superficial e inverídico, se limita a certos traços da Inglaterra e da França
de 100 anos atrás. Sua crença de que existe uma força cósmica chamada
Materialismo Dialético, que governa a história humana independentemente da
volição dos homens, é mera mitologia. Seus erros teóricos, entretanto, não
importariam tanto se não fosse verdade que seu desejo maior, tal como o de
Tertuliano e Carlyle, era ver seus inimigos punidos, pouco se importando com o
que aconteceria com seus amigos no processo.
A
doutrina de Marx já era ruim o suficiente, mas seu desenvolvimento sob a tutela
de Lenin e Stalin fez dela algo ainda pior. Marx havia ensinado que haveria um
período revolucionário transitório, seguido da vitória do proletariado em uma
guerra civil e que durante esse período, o proletariado, de acordo com a
prática comum após uma guerra civil, privaria seus inimigos de poder político.
Este período é o da ditadura do proletariado. Não deve ser esquecido que na
visão profética de Marx, a vitória do proletariado viria após ela ter crescido
a ponto deste se tornar a vasta maioria da população. A ditadura do
proletariado, logo, na concepção de Marx, não era essencialmente
anti-democrática. Na Rússia de 1917, entretanto, o proletariado era uma
porcentagem pequena da população, sendo que a maioria era formada por
camponeses. Fora declarado que o partido Bolchevique era a classe pensante do
proletariado e que um pequeno comitê dele era a classe pensante do partido
Bolchevique. Assim, a ditadura do proletariado veio a ser a ditadura de um
pequeno comitê, e em última instância, de um homem – Stálin. Como o único
proletário pensante, Stálin condenou milhões de camponeses a morrerem de fome e
outros milhões a trabalhos forçados em campos de concentração. Ele foi longo o
suficiente que as leis da hereditariedade seriam diferentes daquilo que
realmente são e que a ideia do germoplasma obedece aos decretos soviéticos e
não ao padre reacionário chamado Mendel. Fico completamente perdido ao tentar
compreender como é possível que pessoas que são tanto humanas quanto
inteligentes podem encontrar algo para admirar no vasto campo escravagista produzido
por Stalin.
Sempre
discordei de Marx. Minha primeira crítica severa a ele foi publicada em 1896.
Mas minhas objeções ao comunismo moderno vão além das minhas objeções a Marx. É
o abandono da democracia que considero particularmente desastroso. Uma minoria
que deposita seus poderes em atividades de uma polícia secreta está determinada
a ser cruel, obscurantista e opressiva. Os perigos do poder irresponsável
vieram a ser reconhecidos durante os séculos dezoito e dezenove, mas eles
esqueceram tudo que fora dolorosamente aprendido durante os dias da monarquia
absolutista e retornaram ao que havia de pior na Idade Média, sob a curiosa
ilusão de que estavam na vanguarda do progresso.
Existem
indícios que, com o decorrer do tempo, o regime russo se tornará mais liberal.
Porém, embora isso seja possível, está longe de ser algo certo. Enquanto isso,
todos aqueles que valorizam não apenas a arte e a ciência, mas uma quantidade
suficiente de pão - além da liberdade do medo de que uma palavra sem
importância seja dita por uma de suas crianças para um professor e isso possa
condená-lo a trabalho forçado na Sibéria, estes devem fazer o que está em seu
poder para preservar seus próprios países de tal forma de vida servil, buscando
uma outra mais próspera.
Existem
aqueles que, oprimidos pelos males do comunismo, são levados à conclusão que o
único meio eficaz de combater esses males é por meio de uma guerra mundial.
Penso que isso seja um erro. Em alguma época, isso pode ter sido possível, mas
agora a guerra se tornou tão horrível e o comunismo tão poderoso que ninguém
pode afirmar o que sobraria após uma guerra mundial, e o que quer que sobrasse
provavelmente seria pior que o comunismo atual. Esta previsão não depende dos
efeitos inevitáveis da destruição em massa por meio de bombas de hidrogênio e
cobalto e, talvez, de pragas engenhosamente propagadas. A forma de se combater
o comunismo não é a guerra. O que é preciso, além de tais armamentos, para
deter os comunistas de atacar o Ocidente é uma diminuição dos motivos de
descontentamento nas partes menos favorecidas do mundo não-comunista. Na
maioria dos países da Ásia, há uma pobreza abjeta que o Ocidente deveria
aliviar na medida em que está em seu poder fazer isso. Há também uma grande
amargura com relação à Europa por parte desses países, devido à dominação
insolente. Dever-se-ia lidar com isso por meio de uma combinação de relações
pacientes e anúncios dramáticos, renunciando tais resquícios de dominação
branca na Ásia. O comunismo é uma doutrina que se alimenta da pobreza, do ódio
e dos conflitos. Sua propagação pode ser detida apenas por meio da diminuição
dos níveis de pobreza e ódio.
Muito bom!
ResponderExcluirPerfeta análise.
ResponderExcluirEsplêndido!
ResponderExcluirGostei meu cara, eu estava bem limido como fechar minha monografia no egoismo virtuoso de Ayn Rand. Russell converge com a autora pelo texto que me trouxe e por um lado diverge ao texto que tenho em mão, obrigado.
ResponderExcluirMuito raso. A meu ver, se você quer criticar o Comunismo e elevar o debate deve focar nos princípios teóricos marxistas. A estratégia de colocar Stalin, Mao ou Coreia do Norte no debate produzirá apenas esquivas, ou seja, o militante esquerdista vai dizer que essas experiências não refletem o pensamento marxista em sua pureza, foram ou são distorções. Os esquerdistas vão esquivar de Stalin como os direitistas vão esquivar de Pinochet ou qualquer regime autocrático de direita. A crítica deve ser dirigida à ideia primeva no que ela tem de melhor aos olhos de seus próprios apologistas, ou então, contente-se em pregar para os convertidos.
ResponderExcluirMeu caro Beto.
ExcluirIsso é uma tradução de Bertrand Russell e não uma análise pessoal minha.
Bertrand Russell foi um militante socialista, o que certamente confere um peso à sua análise que não existiria se viesse de outra pessoa.