A
democracia atual está a ser solapada, e por várias vertentes: seja graças aos
fetiches estatistas de políticos e uma pequena classe de cidadãos seja pelos
defensores de uma ditadura não tão visível, porém igualmente totalitária, que
visa aplicar um sistema de correção tão amplo, que se propõe a corrigir, além
do comportamento, a própria linguagem das pessoas; trata-se de uma forma tão
elaborada de controle (e tão perniciosa) que pretende chegar ao âmago dos
indivíduos, controlando seu meio primário de expressão. Trata-se do denominado
“politicamente correto”. Tentaremos mostrar aqui, porque o politicamente
correto representa uma ameaça alarmante à democracia.
O filósofo Luiz Felipe Pondé define o
politicamente correto como uma “praga” que visa “moldar comportamentos,
hábitos, gestos e linguagem” (PONDÉ, 2012, p. 18 e 31), Charlton Heston atinge
o núcleo do problema e afirma que “o politicamente correto é apenas tirania, só que com bons modos” (grifo
nosso). O politicamente correto é uma ditadura, só que politicamente correta, sua
aparência “progressista” visa angariar os mais desatentos (bem como aqueles
poucos que aderem voluntariamente, por questões de status, ao programa. Não se
pode esquecer que a atmosfera criada faz com que ser ou parecer politicamente
correto torne-se chave de acesso a certos círculos sociais), que não notam a
execução de um projeto maior. Para compreender o caráter invariavelmente totalitário
do politicamente correto é preciso averiguar sua gênese.
A ascensão do mesmo reporta-se à
esquerda americana (sendo a escola de Frankfurt, oriunda das décadas de 20 e
30, sua representação orientação teórica) e ao fracasso do marxismo. Posto que,
em linguagem marxista, o “proletariado” (europeu e americano) negava-se a
concretizar a profecia de Marx que a classe trabalhadora se rebelaria e
promoveria a revolução (já que esta estava razoavelmente satisfeita a ponto de
negar um processo revolucionário), foi preciso forjar uma nova classe de
oprimidos, aqueles que o próprio marxismo havia rejeitado como massa para a
revolução. O politicamente correto surge como uma proposta de “defesa” dessa
minoria (que esconde a sanha totalitária de dominar a maioria), tornando-se uma
prática à partir da década de 60. A revolução teria de ocorrer a todo custo
(inclusive da liberdade e da democracia) e ela não viria do proletariado, como
profetizara Marx, mas do “lumpemproletariado” (HICKS, 2011, p. 189-193). Criada
a atmosfera cultural apropriada, a revolução virá sorrateiramente e não por
meio das armas.
Posta a origem do politicamente
correto, sabendo que é uma ferramenta de ação política, passemos à análise de
seu modus operandi.
O
passo essencial desse processo é “corrigir”, de cima para baixo, o comportamento, mormente a linguagem das pessoas: a via não é a
promoção da autonomia, liberdade e responsabilidade dos indivíduos,
características essenciais para toda sociedade saudável, mas a realização
autoritária de uma agenda, que condena legalmente ou, ainda pior, lega ao
opróbrio aqueles que não a seguem, a ponto de suprimir toda e qualquer opinião que
não siga à risca a cartilha; a estar em jogo, muitas vezes, uma bolsa de
estudos ou um cargo.
Há palavras que não devem ser ditas, pois
podem ferir o ego dos supostos oprimidos (os escolhidos para compor a nova
fronte revolucionária) – e o problema do politicamente correto está longe de se
resumir à liberdade de fazer piadas de gosto duvidoso – toda a dimensão
comportamental do mesmo torna essa acusação simplista e desonesta. Nessa
esteira, o comportamento e o discurso dos ditos politicamente “incorretos” deve
ser cerceado impositivamente, por ordem dos sábios responsáveis por reformular
a língua com seus interesses políticos.
George
Orwell, em seu clássico 1984,
ilustrou com maestria, e reportando-se já à sua própria época, como reformas
linguísticas trazem consigo interesses políticos de caráter totalitário.
Aqueles que controlam o a linguagem, que ditam suas regras, que tomam para si o
direito de autorizar o que é e o que não é lícito de se dizer desejam uma única
coisa: o poder; e tal como fora prescrito por Maquiavel, lançarão mão de
quaisquer meios que venham a ser necessários para fazê-lo, inclusive calar à
força os que se recusarem a materializar os tópicos de sua agenda.
Demonstrado o caráter não
exclusivamente (Katz alude a isso em seu “What is Political Correctmess?”), mas
essencialmente prático-político do politicamente correto e que este forma um
tentáculo de atuação típico da esquerda em sua jornada rumo ao estabelecimento
de um poder totalitário, fica demonstrado o quanto ele representa de ameaça à
democracia. Qualquer esquema que constranja a liberdade de pensamento dos
indivíduos não coaduna com o espírito de uma democracia liberal, na verdade,
isto é a própria liberdade, mais uma vez remetemo-nos a Orwell: “se liberdade
significa algo, é dizer às pessoas coisas que elas não querem ouvir”.
E por último, mas não menos importante,
além do politicamente correto ser autoritário desde suas raízes teóricas, sua prática, além de não sanar os problemas que promete sanar, em
estágio avançado, fomenta estes problemas (sendo que esta é toda a questão,
desde o princípio, pois para o projeto de poder esquerdista, é necessária a
manutenção constante de minorias “oprimidas” a serem “defendidas”). Como
almejávamos demonstrar, fica evidente o espírito ditatorial do politicamente
correto.
Referências
Bibliográficas
HICKS, Stephen. Explicando o pós-modernismo. São Paulo:
ed. Callis, 2011.
KATZ, Jonathan I., What is Political Correctness? Washington University, St Louis, Thu May 13 12:39:11 CDT 1999
ORWELL, George. 1984. São Paulo: ed. Cia das Letras,
2009.
PONDÉ, Luiz Felipe. Guia Politicamente Incorreto da Filosofia.
São Paulo: ed. Leya, 2012.
Muito boa explicação, André.
ResponderExcluirAcho interessante o apelo psicológico que possui a estratégia de separar as pessoas em categorias abstratas e então descrever o mundo como se fosse uma novela mexicana, em que toda dicotomia que se estabelece é entre opressor e vítima. A partir daí é um passo menor fazer a ginástica mental para mostrar que qualquer interação entre representantes do grupo de "vilões" e do grupo de "bonzinhos" é sempre de opressão ou exploração dos últimos pelos primeiros (mesmo quando uma das "vítimas" ateia fogo a um dos "opressores"). Adicione a isso o fato de que eles consideram que as pessoas não pensam por si mesmas, apenas repetem o que a "sociedade" projeta sobre elas - com exceção, milagrosamente, deles mesmos, pois são "conscientes" ou "esclarecidos" - e então temos que controlar o que as pessoas dizem sobre as supostas vítimas para "interromper o ciclo". Ao defender esses pontos de vistas você automaticamente se torna livre-pénsador, esclarecido, consciente e, como diz o Sowell, está do lado dos anjos contra as forças do mal (lalala lalala, He-man!). O que toda criança sempre quis ser!
Excelente comentário, Legauche!
ResponderExcluirEsses pontos que você levantou, sobre os iluminados que milagrosamente escapam da lógica malvada do capital, da burguesia, da ideologia, blablablá, fez eu me lembrar da minha resenha do livro "O que é ideologia" da Marilena Chaui:
http://www.andreassibarreto.org/2011/11/resenha-o-que-e-ideologia-marilena.html
Também me lembrou quando estudei esse assunto, primeiro em Marx, depois em Althusser e a conclusão pros caras é a seguinte: Platão é ideologia, Aristóteles ideologia, Michelangelo é ideologia, Shakespeare é ideologia, Rilke é ideologia, só eles escaparam miraculasamente disso. Leiam Marx e sejam felizes.
Obrigado, eu tenho lido seus textos há um bom tempo já, me agradam muito.
ExcluirAh, esse livrinho da Chauí que reparei tantas vezes nas prateleiras da Edusp... Então Marx não é ideologia? Ele é quem, o Keanu Reaves que veio nos salvar? ( http://www.southparkstudios.com/clips/103824/heaven-vs-hell )
É isso que dá angústia, este tipo de mecanismo de fuga da realidade inerente à natureza humana, esse padrão de comportamento que sempre reemerge com um novo sabor, mas os mesmos ingredientes básicos.