Ninguém é mais direitista do que um ex-esquerdista. Talvez porque a
desilusão com as promessas nunca realizadas da esquerda se misture com a
necessidade do novo direitista de exorcizar seu passado, de se
autopunir pela sua ingenuidade.
Para repudiar o que era, o
ex-esquerdista precisa arrasar o que era. Como está também arrasando o
seu passado, a sua juventude e o tempo que perdeu acreditando em coisas
como igualdade, solidariedade e a redenção da humanidade, não admira que
sua crítica à esquerda seja tão ácida. Está lamentando a si mesmo, o
que só aumenta sua raiva.
O adágio, tão repetido, segundo o qual
quem não é de esquerda até uma certa idade não tem coração e quem não é
de direita depois não tem cérebro, equipara a migração da esquerda para a
direita como uma conquista da sabedoria.
Idealismo, crença em
justiça social etc. seriam coisas que iríamos largando pelo caminho rumo
à maturidade, junto com outras baboseiras juvenis. Não se tem notícia
de uma migração ao contrário, de direitistas que voltam a ser
esquerdistas, até como uma forma de recuperar a juventude.
E
esquerdistas que continuam esquerdistas apesar de já terem idade para se
darem conta do engano são alvos prioritários do escárnio dos
convertidos. Ainda têm coração, os inocentes.

Os
neoconservadores que levaram a política externa americana a sucessivos
desastres nos últimos anos têm este nome porque muitos deles foram trotskistas na juventude. Abandonaram o internacionalismo trotskista e inauguraram o ultranacionalismo do “século americano”, e continuam influentes, mesmo sob o governo do Obama.
Os ex-trotskistas odeiam
o que foram um dia, e seu conservadorismo ativo é uma forma de
expiação. Caso notório de conversão foi a do escritor John dos Passos,
ex-comunista e autor de alguns livros memoráveis de crítica social, que
acabou seus dias quase como uma caricatura de direitista americano, com
bandeira na frente da casa e tudo.
Para quem ainda se considera de
esquerda, apesar das desilusões e de um coração combalido, o rancor dos
convertidos tem seu lado positivo. Mostra que a esquerda ainda existe,
logo chateia. Ou chateia, logo existe.
Luis Fernando Veríssimo é escritor.
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