Por Folha de São Paulo,
Se não faltaram debates políticos em edições anteriores da Flip, em 2013 eles ganham o primeiro plano.
Por diferentes motivos: os protestos pelo país; o perfil militante do
homenageado, Graciliano Ramos; a presença maciça de nomes relevantes da
esquerda nacional e internacional, como o diretor de cinema Eduardo
Coutinho e o crítico britânico T.J. Clark.
Mesmo debates aparentemente neutros têm, para o curador Miguel Conde, a
política como motor. É o caso da mesa com os romancistas José Luiz
Passos e Paulo Scott.
"Foi uma tentativa de pensar dois modelos possíveis de uma literatura
que se queira política hoje. Em Scott, há uma tematização direta, uma
reavaliação de certas causas [políticas] pós-chegada do PT ao poder.
Passos também faz isso, de modo menos direto".
Das 21 discussões da programação principal, apenas sete não têm a
política como eixo nem pelo menos um integrante cuja vida ou obra não
estejam ligadas à militância, particularmente de esquerda.
Autores de perfil conservador ou de centro estão ausentes. Em outras
edições, nomes francamente conservadores, como o jornalista Christopher
Hitchens, ou de centro, como o crítico Sergio Paulo Rouanet e o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, fizeram contrapontos ao
predomínio de esquerda da Flip.
Foi assim em 2006, quando o britânico Hitchens e o romancista americano
Jonathan Safran Foer recusaram-se a aderir a um abaixo-assinado,
endossado por diversos convidados, contra bombardeios de Israel no
Líbano. Hitchens ainda chamou Fernando Gabeira de "terrorista".
Dois anos depois, o poeta Ferreira Gullar cunhou uma das aspas mais
citadas da história da Flip --"Não quero ter razão, quero ser feliz"--
ao divergir do palestino Mourid Barghouti numa discussão sobre o exílio
político.
Neste ano, o economista André Lara Resende, que estará em uma das mesas
sobre as manifestações, na programação paralela, será uma voz solitária
no campo liberal --uma exceção entre os nove nomes confirmados para
esses debates, como Vladimir Safatle, autor de "A Esquerda que não Teme
Dizer seu Nome" (Três Estrelas).
Também no "programa B", o roqueiro Lobão deve ser uma voz antiesquerda, embora sua mesa seja sobre MPB.
"Não acho que escritores associados à direita sejam numerosos", diz
Conde. "Tenho até dificuldade em pensar em nomes. O [escritor peruano
Mario] Vargas Llosa tem posição mais liberal. Nós o chamamos, mas ele
não pôde vir."
PEÇA RARA
Para o sociólogo Sergio Miceli, que será um dos debatedores da "ficha
política" de Graciliano e publicou estudos sobre as relações políticas
na intelectualidade brasileira, bons pensadores à direita são peça rara
no país.
"Há conservadores com trabalhos importantes, como José Guilherme
Merquior [1941-91], Mario Faustino [1930-62]", diz. E espeta: "Hoje,
muitos falam sobre tudo, mas não se aprofundam em nada. Têm um amplo
espectro, como remédio para resfriado".
Na quarta passagem pela festa, o escritor Milton Hatoum --que se diz de
esquerda, sem envolvimento partidário--, fará a conferência de abertura
sobre Graciliano.
"A maioria dos escritores no Brasil é de esquerda", diz. "Acho que tem a ver com as contradições sociais do país."
O escritor também diz achar difícil mencionar nomes relevantes de perfil
conservador. "De escritor importante no Brasil, não me lembro de nenhum
de direita. Diziam que Nelson [Rodrigues] era, mas discordo. Era
provocador, irônico, e na ditadura lutou para libertar presos."
Para Carlos Andreazza, editor de não ficção da Record --casa que detém a
obra de Graciliano--, "não faltam autores conservadores. Falta coragem
para convidá-los".
"Não tenho dúvida de que a Flip sempre foi de esquerda. É legítimo,
aliás. A discussão, no entanto, fica incompleta. Se quisessem abrir
espaço ao contraditório, não faltariam opções", diz Andreazza, citando,
entre elas, o filósofo Olavo de Carvalho.
Carvalho também é citado por José Mario Pereira como "flipável", ao lado
do economista e ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco.
O editor da Topbooks vê "má vontade" no meio intelectual com os
conservadores de seu catálogo: "Quando querem ser simpáticos, chamam de
'liberal'".
O dissenso, para Conde, não sairá prejudicado. "Todas as Flips tiveram
predomínio de autores considerados mais ou menos de esquerda. É uma
caracterização ampla, que abriga posições diferentes e às vezes
conflitantes."
O curador, em sua segunda Flip, diz não haver "exclusão deliberada" do
pensamento conservador. "Naturalmente, convidei autores dos quais me
sinto mais próximo ou que abordam as questões de maneira inteligente." (PW E RC)
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