Por Estadão,
O estudante Lucas, de 17 anos, recebeu um chamado no celular às 10h45
de anteontem no bairro Colinas do Sul, periferia de João Pessoa, na
Paraíba, a 25 km da orla turística de Cabo Branco e Tambaú. Pegou a
bicicleta e pedalou por cerca de 1 km em estrada de terra, até ser
atingido à queima-roupa por três disparos. Caiu em uma arapuca e morreu
perto das 11 horas.
Policiais civis que chegaram ao local, meia hora depois, ainda
ouviram dos familiares que Luquinha era simpatizante da gangue O Kaida
(corruptela de Al-Qaeda), formada dentro dos presídios paraibanos em
2004. Ele vinha sendo ameaçado por jovens da gangue rival, Estados Unido
(sic), cujos integrantes moram no bairro vizinho de Gervásio Maia. A
rivalidade entre os grupos hoje já se reproduz por quase todo o Estado.
“Uma das hipóteses é de que ele tenha sido morto por causa da disputa
local pelo tráfico”, explica o delegado Luiz de Cerqueira Cotrim Neto,
da Delegacia de Homicídios. O corpo de Lucas chegou ao IML às 14 horas.
O número de homicídios na Paraíba cresceu 55% entre 2008 e
2011, a maior alta do País. O Estado é o terceiro do Brasil entre os
mais violentos, atrás de Alagoas e Espírito Santo, superando Pará, Bahia
e Pernambuco. Os números foram compilados pelo Estadão Dados, com base
no DataSus. O período coincide com o crescimento da venda de crack nas
periferias.
Cabedelo, cidade portuária de 59 mil habitantes na região
metropolitana de João Pessoa, registrou 79 assassinatos em 2011 - sua
taxa de homicídios chegou a 134 por 100 mil habitantes, a segunda do
Brasil e uma das maiores do mundo. Já João Pessoa é a segunda capital
brasileira mais violenta, atrás apenas de Maceió. O Estado reflete um
problema de toda a Região Nordeste, que já é a mais violenta do País,
com 36 homicídios por 100 mil habitantes em 2011 - dados mais recentes.
Para tentar entender a dinâmica dessa epidemia de homicídios,
o Estado passou quatro dias entre João Pessoa e Cabedelo. Chegou na
quarta-feira, com a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, que
participou de uma audiência pública e acabou tendo de ouvir diversos
pedidos de ajuda. Grupos do movimento LGBT denunciavam homicídios. Já o
cacique geral do Povo Potiguar, Sandro Gomes Barbosa, afirmou que dois
caciques foram mortos recentemente e dizia que estava sendo ameaçado por
causa do tráfico e disputas de terra. E a advogada Laura Berquó,
presidente da Comissão de Igualdade Racial e Liberdade Religiosa da OAB,
registrava o homicídio de três pais de santo. “Mais do que a religião,
pesa o fato de serem negros e pobres, grupos com a maioria das vítimas
da violência.”
Engrenagem. Nos últimos cinco anos, diferentes focos de
conflitos homicidas se intensificaram na Paraíba, com a tolerância ou
até o incentivo de instituições estaduais. A pistolagem e os
assassinatos de aluguel, tradição dos tempos do coronelismo, se
modernizaram e passaram a produzir lucros elevados, infiltrando pilares
sólidos nas polícias locais.
Foi o que mostrou as investigações da Operação Squadre, desencadeada
pela Polícia Federal em novembro de 2012, que levou à prisão de 39
pessoas, entre policiais militares, civis e agentes penitenciários. O
Estado teve acesso à íntegra da denúncia.
Foram acusados três núcleos principais. Um deles comandado
por oficiais da PM que organizavam a segurança privada do comércio
local. Outro era formado por um grupo de extermínio, autor de diversas
mortes, muitas delas cometidas contra presos em regime semiaberto que
chegavam ou saíam dos presídios. Mas também morreram mulheres grávidas e
crianças.
O terceiro extorquia dinheiro de traficantes, além de
negociar armas com bandidos. “Ao contrário do que os outros pensam, as
milícias não são realidade só do Rio. É uma realidade nacional. É
preciso criar controles mais efetivos para coibir essas ações
policiais”, diz o secretário de Segurança e Defesa Social da Paraíba,
Claudio Coelho Lima.
Crack. O tráfico também se espalhou pelas periferias locais
graças à chegada do crack, expansão que acabou incentivada pela
rivalidade entre facções territoriais. A O Kaida surgiu em 2004, na
Penitenciária de Segurança Máxima Geraldo Beltrão (conhecida como
Presídio do Roger). O detento Neguinho do Roger conseguiu importar uma
granada que explodiu no presídio e feriu ao menos dez presos. “Sou o Bin
Laden. Sou o Iraque. Eles diziam em tom de piada. Acabou criando a O
Kaida. E os rivais, viraram Estados Unido”, explica Ednaldo Correa, que
foi diretor de 11 presídios paraibanos.
Essa rivalidade saiu de trás dos muros para os bairros e
cidades paraibanas. Em abril de 2010, Cabedelo viu uma das lideranças
locais da O Kaida, Fatoca, tentar monopolizar o comércio de drogas na
cidade. Bandana, dos Estados Unido, defendia sua fatia comercial. O
desequilíbrio no mercado e as balas decorrentes levaram a cidade a se
tornar a segunda mais violenta do Brasil.
“Conseguimos reduzir a criminalidade nos últimos dois anos prendendo os
principais matadores locais”, diz o major Carlos Roberto da Silva Sena,
que assumiu o comando da Polícia Militar em 2011. Na tela do computador,
ele tem a foto de mais de 100 criminosos, entre eles a de Ni, que
tatuou um cemitério nas costas: sete cruzes para cada assassinato
cometido.
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