Por Folha de São Paulo,
As ciências exatas e biológicas são diferentes das humanas. A
representação da realidade de sociólogos, filósofos, pedagogos e
psicanalistas não podem ser colocadas em microscópios ou simuladas por
equações. De científico mesmo, as humanidades só carregam o nome. O
positivismo procurou aplicar o rigor das ciências em todas as áreas do
conhecimento. A tentativa virou galhofa.
Apesar de a argumentação ter força na visão de mundo defendida pelas
ciências humanas, muitas de suas premissas são representações de uma
realidade preferível para quem as defendem. Ou seja, crença. É mais
agradável acreditar que somos livres do que biologicamente determinados,
pois as consequências de pensamentos deste gênero se mostraram errôneas
e historicamente desastrosas.
O pensamento hegemônico das ciências humanas alega que nascemos "vazios"
--tábula rasa-- e somos preenchidos com a cultura. Assim,
comportamentos violentos, por exemplo, poderiam ser explicados como
resultado do meio em que o sujeito foi criado.
Em seu novo livro, "A Natureza Humana Existe", Francisco Daudt, psicanalista, médico e colunista da Folha, apresenta o que os psicólogos evolucionistas defendem: somos herdeiros da genética e da experiência.
"Pense num computador", escreve Daudt. "Quando você o compra, ele já vem
como um monte de programas instalados. Somos nós, quando nascemos.
Depois você acrescenta outros que te interessam (seria a 'cultura')".
Segundo ele, os acadêmicos negam uma parte fundamental para compreender o
comportamento humano quando se recusam a acreditar que existe um fator
natural, como em todos os outros animais, que também move e molda o
indivíduo.
"As influências biológicas no comportamento humano ficaram malvistas por
décadas", conta. "Quando Edward O. Wilson publicou, em 1975, seu livro
'Sociologia: Uma Nova Síntese', os acadêmicos marxistas (quase uma
redundância, na época) das humanidades se levantaram numa grita
enfurecida, como se estivessem vendo a ressurreição do demônio".
Defender que carregamos elementos que precedem a experiência não é
novidade. René Descartes (1596-1650), pensador que inaugura a filosofia
moderna, apresentou, em suas "Meditações Metafísicas",
as ideias inatas. Para não pecar pelo anacronismo, é claro, o filósofo
francês desconhecia os conceitos de genética que temos hoje. Porém, a
psicologia evolucionista traz, em seu DNA, uma parcela cartesiana.
"Embora todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso
todo ele se origina justamente da experiência", escreve Immanuel Kant
(1724-1804) em "A Critica da Razão Pura",
de 1781. "Pois poderia bem acontecer que mesmo o nosso conhecimento e
experiência seja um composto daquilo que recebemos por impressões e
daquilo que a nossa própria faculdade de conhecimento (apenas provocada
por impressões sensíveis) fornece de si mesma".
Não dá para apostar que somos 50% genética e 50% criação. Ambas foram
parcamente exploradas. Podemos dizer que, até agora, a totalidade de
fatores que constituem a identidade é um mistério. Decifrar esse enigma
pode estar além da nossa capacidade cognitiva. O cão correndo atrás do
próprio rabo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
1. Seja polido;
2. Preze pela ortografia e gramática da sua língua-mãe.