Por Veja,
Você acha que os médicos brasileiros ganham bem? Eles têm os maiores
salários médios do país. Pois saiba que um médico americano ganha quatro
vezes mais. Eu já ouvi muitos argumentos para explicar como melhorar o
quadro da saúde brasileira. Inclusive do pessoal que diz que faltam
verbas para o setor e que a solução é investir mais, ressuscitar a CPMF,
entre outras. Mas não me recordo de ter ouvido alguém sugerindo que o
problema era o salário dos médicos. Nem, muito menos, que as diferenças
entre o sistema de saúde brasileiro e o americano se explicam pelo fato
de que os nossos médicos ganham quatro vezes menos do que seus colegas
americanos.
E os nossos dentistas? É a segunda carreira mais bem remunerada do
país. Não sou especialista no setor, mas acho que estão fazendo um bom
trabalho: o sorriso dos brasileiros é bem mais arrumado do que o de
habitantes de outros países em desenvolvimento, como, por exemplo, os
chineses, e até de países ricos, como os ingleses. Mas, veja só,
coitados! Ganham 5,4 vezes menos do que os dentistas americanos, que
levam para casa, anualmente, o equivalente a 346 000 reais, contra 64
000 reais dos brasileiros.
E os advogados brasileiros? Como mostra a fábrica de pizzas que sai
do nosso Judiciário, certamente devem estar entre os melhores do mundo.
Mas, mordam-se de inveja: os advogados americanos ganham 4,4 vezes mais.
De novo, já li muitas análises sobre o que precisa ser feito para
melhorar nosso sistema legal, mas não me recordo de nenhum protesto da
OAB sugerindo que nossas deficiências se explicam pela distância entre o
salário dos nossos causídicos e seus congêneres do Hemisfério Norte.
O que dizer então de nossos artistas? Sinceramente, acho-os melhores
do que os americanos, especialmente na música. Como explicar então que
ganhem quase quatro vezes menos do que os compatriotas de Madonna? E
nossos profissionais de marketing e propaganda, que todos os anos levam
uma enxurrada de leões em Cannes e criam promoções e eventos tão
criativos? Quantos Washington Olivetto e Nizan Guanaes os americanos
produziram? Quantos Rock in Rio e carnavais? Nenhum. Mas - ó destino
cruel - nossos profissionais de marketing e propaganda recebem 3,5 vezes
menos que seus concorrentes americanos. Não 3,5% menos, nem 35% menos:
3,5 vezes menos. E, por mais criativos e originais que sejam nossos
publicitários, ainda não vi nenhum deles sugerir que, se ganhassem 3,5
vezes mais, seriam ainda mais espetaculares.
Essas diferenças são praticamente iguais para qualquer profissão de
nível superior que você queira comparar - os dados de vinte delas estão
disponíveis em twitter.com/gioschpe. Na média dessas profissões, os
americanos ganham 3,55 vezes mais que os brasileiros. Se retirarmos
engenheiros e arquitetos da conta, a relação vai a 3,76. Entre essas
carreiras, está a dos profissionais da educação. Os americanos ganham
3,97 vezes mais do que os brasileiros. Ou seja, a diferença entre
professores brasileiros e americanos está bastante em linha com a
observada em todas as demais profissões. Se você acha que o professor
brasileiro ganha pouco, deveria notar que ganha pouco por ser
brasileiro, não por ser professor.
Essa diferença existe porque os países têm nível muito desigual de
renda média, o PIB per capita. O americano é quatro vezes maior do que o
brasileiro. Então é normal e esperado que, em todas as carreiras, haja
uma diferença dessa magnitude entre um profissional brasileiro e outro
americano. Isso não é prerrogativa dos EUA. Usei este país pela
facilidade de obtenção de dados. Pegue a média dos países desenvolvidos e
verá que a diferença é a mesma. Pegue a média dos países da África
Subsaariana e verá que a diferença também será a mesma, apenas com o
sinal trocado. Isso é óbvio. Por isso é que sempre me causa surpresa
quando alguém pega um dado de gasto nominal em educação e diz assim:
“Precisamos investir mais em educação se quisermos ter qualidade de
Primeiro Mundo. Enquanto o gasto médio por aluno dos países da OCDE for
de 8 893 dólares e o do Brasil for de 2 849 dólares, não poderemos
esperar que a qualidade seja comparável”. Que professores e
sindicalistas repitam esse mantra, até entendo. Como disse Upton
Sinclair: “É difícil conseguir que uma pessoa entenda algo quando o seu
salário depende de que não entenda”. Mas ouvir isso de gente inteligente
e bem-intencionada é apenas um sinal de que o discurso das corporações
dos professores abalou o discernimento mesmo das melhores mentes. Quase
quatro quintos (78%) do gasto com educação no Brasil são destinados a
pagar salários de professores e funcionários. Para que o Brasil gaste,
em termos nominais, o mesmo que um país desenvolvido, seria necessário
que os profissionais da educação ganhassem o mesmo que seus pares de
países desenvolvidos. Seriam, então, a única categoria profissional com
remuneração nesse patamar, em um país em que as demais profissões ganham
quatro vezes menos.
Essa não é uma questão menor. É em virtude dessa incompreensão sobre
gastos diferentes para realidades diferentes que o Brasil já comprometeu
os ganhos do pré-sal em um sistema educacional fracassado, e agora
caminha para queimar mais incríveis 5% do PIB ao aumentar os
investimentos em educação de 5% para 10% do PIB. Você, eu e a geração de
nossos filhos pagaremos caro por esse populismo. Quem defende aumento
de remuneração sem esperar nenhuma contrapartida em termos da qualidade
do serviço está subvertendo uma das leis basilares da economia: a que
estabelece que remunerações são proporcionais à produtividade do
trabalhador. Americanos e europeus não ganham quatro ou cinco vezes mais
do que nós porque seus patrões são bonzinhos, mas porque é isso que
produzem. Basta ver os dados da Organização Internacional do Trabalho: o
trabalhador brasileiro produz, por hora trabalhada, um quinto do que
produz o americano. Se usarmos o critério de produtividade e renda
nominal para balizar a remuneração dos nossos profissionais da educação,
a conclusão inescapável é que o professor brasileiro ganha demais em
relação ao que entrega. No último Pisa, o teste de qualidade educacional
mais respeitado do mundo, a educação brasileira ficou em 53º lugar. Na
sua vizinhança não estavam os países de Primeiro Mundo, mas sim
Colômbia, Trinidad e Tobago, Montenegro e Jordânia.
Mesmo que fosse financeiramente factível, o que não é, a educação no
Brasil não melhoraria se os professores passassem a ganhar o mesmo que
os de países desenvolvidos. Dezenas de estudos acadêmicos mostram que
não há correlação entre o salário dos professores e o aprendizado dos
alunos. Qualquer gestor acharia absurdo dar aumento significativo a
funcionários que estão entregando péssimos resultados. Está na hora de
aplicar a mesma lógica à área da educação. O que efetivamente importa é a
formação de professores, capacitação de gestores, currículo nacional
unificado, dever de casa, avaliação, melhoria do material didático, uso
efetivo do tempo de sala de aula e tudo o mais que os países que deram
certo fizeram antes de poder pagar salários mais altos. Salário não cai
do céu: conquista-se.
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