“Os brasileiros têm os dois pés no chão…
E as duas mãos também.” Desde quando as primeiras caravelas dos
europeus atracaram no Brasil, mais de cinco séculos atrás, muitos
narradores tentaram compreender e descrever o caráter de nosso povo.
Navegadores, jesuítas, piratas, garimpeiros, naturalistas, traficantes
de escravos, aventureiros, filósofos, antropólogos, escritores: cada um
deles tentou explicar aos seus semelhantes os traços marcantes do Brasil
e do nosso povo pitoresco. Pouquíssimos conseguiram.
2014 será o ano da redescoberta do
Brasil. Cronistas oriundos dos lugares mais improváveis irão atravessar o
oceano e por seis meses, precisamente até o final da Copa do Mundo, 13
de julho, irão encher seus desinteressados e desinformados compatriotas
com notícias sobre o Brasil. Recomenda-se a todos que renunciem
imediatamente a qualquer tentativa de originalidade e passem a plagiar
despudoradamente o mais feroz dos nossos humoristas, Ivan Lessa, que foi
capaz de resumir a essência da nossa espécie em uma única frase: “Nós
temos os pés no chão e as mãos também.”
Se Ivan Lessa, o nosso Apuleio, se
destacou pela capacidade de revelar nossa natureza quadrúpede – os
jumentos verde-amarelos – o historiador Paulo Prado, muito antes dele,
deve ser lembrado por uma façanha igualmente relevante: ele diagnosticou
nossa psique patologicamente melancólica. O seu “Retrato do Brasil”,
com o subtítulo “Um ensaio sobre a tristeza brasileira” de 1926, é ainda
hoje um guia insuperável para orientar os observadores menos afeitos às
questões nacionais. A introdução não deixa dúvidas: “Em uma terra
radiante, vive um povo triste”. Os brasileiros não são normalmente
associados a estados de humor mais depressivos. Na verdade, é exatamente
o oposto: somos festejados em todo o mundo pela nossa ritmada e
ensurdecedora despreocupação, pelos nossos modos festivos e lascivos.
Mas a tristeza mencionada por Paulo Prado não é fruto de uma angústia
existencial, reflexiva, leopardiana; antes, é o resultado da própria
luxúria. Sexo, sexo, sexo. Na nossa história não existe mais nada. O
Brasil será sempre e só isso: o lugar onde o homem é livre para se
comportar como “um bode em um cercado cheio de cabras, sem ideais, sem
preocupações estéticas, políticas, intelectuais e artísticas.”
Nas
primeiras páginas de “Retrato do Brasil”, carregadas com um pesado e
obsoleto sentido de moralidade, Paulo Prado cita o testemunho de Américo
Vespúcio sobre os costumes lascivos dos nossos antepassados: “Eles têm
tantas esposas quanto queiram, o filho vive com sua mãe, o irmão com a
irmã, a prima com seu primo, e todo homem com a primeira que aparece.”
Em 14 de junho de 2014, após o jogo entre Itália e Inglaterra, um
padeiro de Castelfranco Veneto, em visita à cidade de Manaus, próximo de
onde estava Américo Vespúcio quinhentos anos atrás, poderá repetir as
impressões do navegador italiano, usando as mesmas palavras daquele. O
sexo, portanto, é o primeiro fator para explicar a nossa tristeza
atávica, segundo Paulo Prado. Post coitum animal triste. Mas há um
segundo fator não menos importante: a ganância. Enquanto a carnalidade
selvagem estrangulou nossas escassas capacidades mentais, a ganância
contaminou o nosso precário equilíbrio social. O Brasil foi fundado por
bodes gananciosos e sem escrúpulos, dispostos a qualquer ignomínia a fim
de conseguir acumular a maior quantidade possível de dinheiro o mais
rápido possível e depois voltar com os despojos às suas terras de
origem. Os ecos dessa gênese saqueadora são ouvidos ainda hoje na vida
cotidiana. De fato, mais que os cinquenta mil assassinatos cometidos
todos os anos – em 2013 foram assassinadas mais pessoas no Brasil que na
Síria, e será assim também em 2014 –, o que realmente desconcerta é a
aceitação resignada desse massacre permanente, como se fosse um elemento
inevitável da natureza.
Mas a ganância descrita por Paulo Prado
não produz apenas a ruína social: ela também produz frustração pessoal.
Porque quase nunca é recompensada. Ciclicamente, o Brasil teve saltos de
desenvolvimento e de dinheiro fácil, durante os os quais foi aclamado
como o novo Eldorado, mas todos acabaram em poucos anos. Em nossa
história tivemos o ciclo da madeira, o ciclo da cana-de-açúcar, o ciclo
do ouro, o ciclo da borracha. Todos acabaram, deixando apenas desolação.
Recentemente, houve um novo momento de euforia econômica em relação ao
Brasil: o ciclo das commodities.
A opulência criada pela bolha das
matérias-primas foi representada na capa da The Economist, que em
novembro de 2009, estampou a imagem da estátua do Cristo Redentor
decolando como um foguete em direção a um futuro magnífico. Quatro anos
depois, a mesma revista precisou se retratar, mostrando o Cristo
Redentor despencando tragicamente rumo ao chão, enquanto o título
indaga: “o Brasil desperdiçou tudo?” Ao longo da história, o Brasil
sempre passou desapercebido, uma espécie de apêndice da humanidade, um
adendo estranho e inútil. Tudo vai mudar em 2014. Até meados do ano, o
país será analisado e debatido por uma multidão de incautos cheia de
opiniões equivocadas a nosso respeito. Então vamos submergir uma vez
mais. Em outubro serão realizadas as eleições presidenciais, mas essas
não interessam a ninguém, nem mesmo aos brasileiros. Apesar de a cúpula
do seu partido ter sido presa por corrupção há alguns meses, Dilma
Rousseff vai ganhar de novo, porque os eleitores estão acostumados há
séculos com bodes gananciosos e desprovidos de escrúpulos. Então, para
nossa sorte, 2014 vai terminar sem deixar vestígios. Como disse Ivan
Lessa: “A cada quinze anos o Brasil esquece o que aconteceu nos últimos
quinze anos.”
Excelente! Esse é o Diogo!!!
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